quinta-feira, 2 de outubro de 2014

"Paciência: o intervalo entre a semente e a flor"

no trabalho com meu mais puro AMOR

A maior flor do mundo 
José Saramago

"As histórias para 
crianças devem ser 
escritas com palavras 
muito simples…
Quem me dera saber 
escrever essas histórias…

Se eu tivesse aquelas 
qualidades, poderia 
contar, com 
pormenores, uma linda 
história que um dia 
inventei…
…seria a mais linda 
de todas as que se 
escreveram desde o 
tempo dos contos de 
fadas e princesas 
encantadas…

… havia uma aldeia.
…e um menino.

… sai o menino 
pelos fundos do 
quintal, e, de árvore 
em árvore, como um 
pintassilgo, desce o rio 
e depois por ele 
abaixo…

Em certa altura, 
chegou ao limite 
das terras até onde 
se aventurara 
sozinho. Dali para 
diante começava o 
“planeta Marte”. 
Dali para diante, 
para o nosso 
menino, será só 
uma pergunta: 
«Vou ou não vou?» 
E foi.

O rio fazia um desvio grande, 
afastava-se, e de rio ele 
estava já um pouco farto, 
tanto que o via desde que 
nascera. Resolveu cortar a 
direito pelos campos, entre 
extensos olivais, ladeando 
misteriosas sebes cobertas 
de campainhas brancas, e 
outras vezes metendo pelos 
bosques de altas árvores 
onde havia clareiras macias 
sem rasto de gente ou bicho, 
e ao redor um silêncio que 
zumbia, e também um calor 
vegetal, um cheiro de caule 
fresco.

Ó que feliz ia o menino! Andou, andou, foram 
rareando as árvores, e agora havia uma charneca rasa, 
de mato ralo e seco, e no meio dela uma inclinada 
colina redonda como uma tigela voltada.
Deu-se o menino ao trabalho de subir a encosta, e 
quando chegou lá acima, que viu ele? Nem a sorte nem 
a morte, nem as tábuas do destino… Era só uma flor.

Mas tão caída, tão 
murcha, que o menino 
se achegou, de 
cansado. E como este 
menino era especial de 
história, achou que 
tinha de salvar a flor. 
Mas que é da água? 
Ali, no alto, nem pinga. 
Cá por baixo, só no rio, 
e esse que longe 
estava!...
Não importa.

Desce o menino a montanha, atravessa o mundo 
todo, chega ao grande rio, com as mãos recolhe quanta 
de água lá cabia, volta o mundo atravessar, pelo monte 
se arrasta, três gotas que lá chegaram, bebeu-as a flor 
com sede. Vinte vezes cá e lá…
Mas a flor aprumada já dava cheiro no ar, e como se 
fosse uma grande árvore deitava sombra no chão.

O menino 
adormeceu debaixo da 
flor. Passaram as 
horas, e os pais, como 
é costume nestes 
casos, começaram a 
afligir-se muito. Saiu 
toda a família e mais 
vizinhos à busca do 
menino perdido. E não 
o acharam.

Correram tudo, já em 
lágrimas tantas, e era 
quase sol-pôr quando 
levantaram os olhos e 
viram ao longe uma flor 
enorme que ninguém se 
lembrava que estivesse 
ali.
Foram todos de 
carreira, subiram a colina 
e deram com o menino 
adormecido. Sobre ele, 
resguardando-o do 
fresco da tarde, estava 
uma grande pétala 
perfumada…

Este menino foi levado para casa, rodeado de todo o 
respeito, como obra de milagre.

Quando depois 
passava pelas 
ruas, as pessoas 
diziam que ele 
saíra da aldeia 
para ir fazer uma 
coisa que era 
muito maior do 
que o seu 
tamanho e do 
que todos os 
tamanhos.

FIM

Este era o conto que eu 
queria contar. Tenho muita 
pena de não saber escrever 
histórias para crianças. Mas 
ao menos ficaram sabendo 
como a história seria, e 
poderão contá-la doutra 
maneira, com palavras mais 
simples do que as minhas, e 
talvez mais tarde venham a 
saber escrever histórias para 
crianças…

Quem sabe se um dia virei a ler outra vez esta 
história, escrita por ti que me lês, mas muito mais 
bonita?..."


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